quinta-feira, 12 de março de 2009

A praga celular

O mal do século não é a solidão, como a canção dizia - mesmo porque, a canção é do século passado. O mal deste século é o telefone celular. É uma praga. Uma droga. Não se suporta ficar sem. Esquecer o equipamento em algum lugar, por exemplo, pode causar tremores, calafrios, sensação de desmaio iminente.
Até uns quinze anos atrás, quase ninguém tinha celular. E sobrevivíamos. Os eventos aconteciam, um por vez, sem que um interferisse no outro. Marcávamos encontros, e, muitos podem não acreditar, encontrávamo-nos. As ansiedades davam de comer ao romantismo. As necessidades eram mais reais. As urgências respeitavam mais o tempo.
Hoje, abdica-se do direito de não querer ser encontrado. A disponibilidade mantém-se irrestrita, no tempo e no espaço, mesmo que, possivelmente, isto cause algum tipo de distúrbio no entorno do ente disponível. Todos estão sempre receptivos a uma interrupção estridentemente intermitente, seja durante uma refeição, seja em uma reunião de negócios, quando aqueles negocinhos eletrônicos, depositados sobre a mesa, põem-se, de repente, a zumbir e a caminhar saltitantes. No escurinho do cinema, pipocam luzinhas das poltronas espalhadas pela sala e, não raro, vozes sussurram: “Estou no cinema, não posso atender agora”. No ônibus, os passageiros, diariamente, conhecem uma nova história de vida, apenas por terem participado, como ouvintes, de uma conversa, muitas vezes, muito particular. Nem aquele momento único e tão especialmente íntimo e solitário de purificação no trono sagrado é devidamente gozado nestes tempos.
Quem sabe, a disseminação do uso indiscriminado deste aparelhinho do inferno seja, apenas, uma manifestação do pavor de se imaginar só? Talvez ainda seja atual, a canção. De qualquer modo, temos que ter ciência do fenômeno, agir rápido em busca da cura. Senão, ainda morreremos de celular*. Aí, só nos restará a esperança de que as operadoras não tenham cobertura nas áreas lá do outro lado.


*assunto pra um próximo post, quem sabe.